segunda-feira, 14 de dezembro de 2015

CLONAZEPAM III

que as nuvens chovam ácido,
e os gritos,
desesperados,
ensurdeçam os acordados,
que o caos se instale em toda parte, 
que os ventiladores emperrem
no verão de Dubai,
que as baratas vivam 
e que o mundo inexista,
assim como os micênicos,
assim como você.
não importa.
que as buzinas dos carros desparem 
e nada as interrompam 
e as sirenes das ambulâncias 
enlouqueçam a cidade
procurando por ninguém.
não importa. 
que as dores entre as costelas 
permaneçam anestesiadas,
mas ali,
pulsantes.
e que o frio na barriga da tristeza 
congele tudo o que restou de nós.
não importa. 
que as flores nasçam,
morram,
que os dias passem,
em branco, 
sem fome,
sem sede,
sem recordação.
não importa,
não enquanto durar o paraíso do esquecimento.

domingo, 6 de dezembro de 2015

CLONAZEPAM II

duas miligramas
você engole,
nada. 
ele está aqui em algum lugar,
ele deita ao seu lado na cama,
ele sussurra o que você quer ouvir.
ele não é real.
quatro miligramas 
você chupa, 
algo.
as costas pesam,
os olhos fecham
mas, você ainda está aqui
e ele também. 
ele lhe beija, 
se coça em você, 
lhe olha,
lhe ama.
ele não é real, 
ele está longe,
ele não lembra de você, 
ele não existiu.
seis miligramas
você pensa,
não. 
os créditos não subirão agora. 
amanhã ele volta 
e será um lindo dia. 

quinta-feira, 3 de dezembro de 2015

CLONAZEPAM

meu corpo está morto sobre a cama,
minhas pálpebras, secas, estão abertas
e meus olhos, vazios, fechados 

pernas inválidas
formigas nos braços 
e as pálpebras sempre ali, abertas 

um copo se torna inviável
e antes disso 
os cacos já estão pelo chão 

algo te sufoca
mas, não te preocupa 
então você retrai os músculos 

tua cama te engole,
você se sente abraçado 
e pensa estar tudo bem

agora você está perdido,
foi traído pelo leito 
e, cuspido, boia em meio aos lençóis 

o controle motor está em pane
e a vida te lembra 
das primeiras horas mortas de sono 

eu me dissolvo acordado
amanhã será um lindo dia 



sábado, 28 de novembro de 2015

ESQUECIMENTO

eu vivia tão bem,
você também.
então, eu fui feliz
e depois desfui,
aí eu vi
que feliz eu era
quando não sabia ser.

quarta-feira, 25 de novembro de 2015

MATA-ME

sua imagem
passeia meu estômago 
me causa náuseas 
e sobe lancinante 
com destino AORTA 
o perigo é lascívo 
e perto do fim eu rolo de prazer.
apressado
o pulso ameaça zerar contagem. 
depressa 
antes que comece a novela 
e a derradeira hora
chegue só amanhã.

sábado, 21 de novembro de 2015

E FOI

Não foi tua boca meu refúgio,
Teu gosto o meu prazer,
Tua carne o veneno,
Tua cara a desgraça,
Teu peito a minha casa. 
Não foi a tua voz o doce som
que as noites embalou,
nos ouvidos sussurrou
e fez tremer joelhos, canelas e dedos. 
Não foi amor o teu amar.
Não foi, amor, teu o mar. 
Não foi o fluído pelas pernas escorrendo,
nem o suor que perfumava teu corpo, teus pelos. 
Não foi a primeira noite, a última noite.
Não foi a noite a primeira e única. 
Foi um sonho daqueles ruins. 
Foi a morte, o que não se cura. 
Foi a morte, que se anuncia. 
Foi o fim, que se tem certeza,
e eu cai. 
O que foi de mim?

terça-feira, 3 de novembro de 2015

FIDELIDADE, amor

Em meio aos meus lençóis
Cheirosos de você 
Sujos por você 
E largados por você
Eu lhe trai. 
Enchi aquelas colchas de tragadas fedidas de cigarros baratos
E as minhas coxas de falos perdidos. 
Eu não me lembro seus nomes;
Tamanhos;
Cores;
Formas.
Não faço boas contas
Mas
Eu lhe trai 
E se me lembro dos seus olhos apaixonados 
Muito me orgulho: eu lhe trai 
Foram tantos...
(não faço boas contas)
Os nossos pés na areia não mentiram 
Eu menti 
Num falso abraço 
"Eu amo você" 
- Um real sentir -
E minha mente era sua
Mas eu menti
1,93 ocupando espaços numa cabeça cheia de vontades 
Pedi por três dias 
"Demasiados dias" 
Pedi por uma noite 
"Demasiadas são as horas" 
Pedi por você 
"Demasiada é a sua vontade" 
Eu lhe trai. 

domingo, 1 de novembro de 2015

DE MENOS

Eu era
jovem demais 
compreensiva demais 
amante demais 
passiva demais 
a vida toda pela frente era demais 
pensar na vida era pensar demais 
seu descaso era demais 
e eu era jovem demais
sua ingratidão era demais 
pra alguém jovem demais 
"alterada demais"
"descontrolada demais"
"pressiona demais"
sim 
e também 
desavisada demais.
O meu amor era demais 
o tempo passou demais 
o meu amor era demais 
eu sonhei demais 
o meu amor era demais 
eu era jovem demais 
abra o dicionário no D 
leia mais.  

domingo, 25 de outubro de 2015

PSEUDO-NARCISO

Você não parece mais o mesmo.
Seus olhos olham com desdém,
Não compram. 
Bom demais para caber em si.
Transborda sua imagem da fonte 
E você se lava nela,
Mas não se afoga.
Contei-lhe sobre Narciso certa vez 
E você mudou de nome.
As ninfas: todas suas.
Eco já não mais.
Enquanto espera que você se afogue 
Ou vire flor à beira dos rios
Ela fecha os olhos para não olhar.
Não lhe olha,
mas lhe repete todos os pedidos
- não fujas 
- fujas...
- por que evitas meu olhar?
- evitas meu olhar! 
"Para a maldição sentido há" 
Engole o choro e afirma em pensamento:
Você não é mais o mesmo.

quarta-feira, 14 de outubro de 2015

ANO PSICOLÓGICO

Ah, se pudesse eu,
Desconhecido das maneiras de sentir,
Olhar outra vez esses seus olhos
Como se olhasse tão fundo para dentro de mim 
E girasse os ponteiros para aquele Abril 
Que de tanto amar virou Janeiro.
Vida nova, o mundo inteiro;
Dia um, um de você é o primeiro.
Era o começo da esperança sem fim 
Me dava para você como em Dezembro.
Fazia um laço para em cada noite desfazer
O meu presente era me dar
E me perdia naquelas voltas 
Que você me dava enquanto olhava o embrulho desfeito. 

segunda-feira, 12 de outubro de 2015

QUANTO TEMPO MAIS?

Quando sua poesia não aguentar mais
E fechar a boca para tudo que já fora dito 
Saiba que ela vive 
E como o seu amor, ela também vai lhe abandonar 
Você sentirá sua falta 
Chorará pelas palavras derramadas
Em vão 
Como todas as lágrimas outrora derramadas:
Em vão. 
Quando o verso se desfizer 
Será você desfeito 
E quando ele mais parecer vivo 
Será seu último suspiro de paixão 
Escorrendo pelo ralo que deságua no coração mais próximo. 

sábado, 10 de outubro de 2015

UNIGÊNITO DO CORAÇÃO

Pense nas noites que me fez perder
E nos sonhos onde aparecia sorrindo 
Lembre-se de mim no alto daquele farol 
E de que durante a noite eu cuidava do teu sono
Vigiava os portões do seu íntimo para que você pudesse dormir 
Guardava-lhe dos fantasmas da madrugada 
E lhe punha a repousar sem medos. 
Rememore os seus pesos que ficaram sobre minhas costas 
E que na calada dos doze badalos eu descarreguei todo seu entulho muito longe do seu olhar.
No deserto da sua presença me fiz presente 
Quarenta dias secando seu suor 
Quarenta noites para dizer "até amanhã" 
Um demônio a me tentar 
Oferecendo uma vida longe do seu abraço, 
Uma morada bem distante do seu sorriso, 
Segurança.
Eu resisti e a Jerusalém retornei como rei 
Bem sabia eu que nos meus ombros estava o rei, 
Eu, burro, o carregava
O exaltava 
HOSANA NAS ALTURAS 
Descrente 
Gritava meu peito 
HOSANA NAS ALTURAS
E na terra, para mim, um pouco do que sobrar do seu amor 

quarta-feira, 30 de setembro de 2015

ARRE(pendido)GO

Arrepender-se.
Tanto se falou pensando que 
e de tanto
achou que sabia o quanto 
Não sabia. 
Dizia: arrependo-me.
Nunca soube. 
Fez tudo para 
Não negou esforços por 
Lutou contra
brigou com 
amou a 
sofreu de
Arrependeu-se.   
Aprendeu que se nada, nada
e se morre sem saber o que é nada-ar.

segunda-feira, 28 de setembro de 2015

PEDRA PAPEL FIM

essa bolsa
feito louça 
é cuidada, tratada, polida 
é de couro
cheira feito um tal cabelo branco-louro 
e é dura quanto pedra 
frágil feito papel 
previsível feito agouro 
tesourada na carne funda 
mais gostosa 
fim de jogo 

quarta-feira, 23 de setembro de 2015

EU PARADOXO EU

Tão desinteressada,
a casa não parece limpa, 
a cara não parece lavada,
fios sem organização,
Destribuindo o não, 
o pouco caso, 
o tanto faz;
Tão em choque, 
se liga, questiona,
se some, desespera, 
se chora já seca,
se perde já saca...
Estaca.
Uma santa,
coberta de proteção, 
terço, bíblia, baguá,
pimenta e sal grosso no portão,
mantra na mente e guia na mão,
olhos pro céu, 
céu no coração; 
Uma puta,
joelhos no chão, 
te engana, machuca,
te sangra, te chuta, 
te ama...
Te chama.
Auto consciente.
Cheia de merda. 
Bem treinada, 
coreografada, 
penteada.
Animal, 
descabelada.
Não fala, só fode.
Não gosta, só lambe. 
Precisa de amor, 
do seu. 
Precisa de pau, de todos,
do seu, do céu,
de mel.

sábado, 5 de setembro de 2015

SCRIPT

Duas mãos
Um vidro
Uma vida 
Uma trinca 
Duas 
Uma racha 
Duas 
Um corte 
Dois 
Três 
Quatro
Cinco 
Seis 
Um estilhaço 
Duas vidas. 

domingo, 26 de julho de 2015

CASA MEANS

A minha casa sempre foi uma zona: cachorro que late, pessoa que grita, vizinho que chama, parente que chega, papagaio que canta sempre a mesma música, geladeira comunitária, palavrão, pontapé, putaria.
A sua casa sempre esteve em ordem. 
A minha casa vive com rachaduras, luzes queimadas, pó sobre os móveis, cachorro no sofá, na cama, no meio do caminho...
A sua casa sempre esteve em ordem. 
A minha casa sempre esteve de portas abertas: para amigos, inimigos, conhecidos, estranhos, para você e quem mais você quisesse trazer.
A sua casa sempre esteve em ordem. 
A minha casa já foi cenário de briga, cenário de morte, cenário de choro, cenário de vela, de traição...
A sua casa sempre esteve em ordem. 
A minha casa também já foi cenário de festa de todos os tipos: aniversários, temáticas, fora de época, de última hora, de virar a noite, de encher a cara.
A sua casa sempre esteve em ordem. 
Na minha casa andam baratas, ratos, aranhas. Voam mosquitos (de todos os tipos), abelhas, borboletas e outra dia eu tenho a impressão de ter visto um morcego.
A sua casa sempre esteve em ordem. 
Na minha casa nunca se teve hora para comer, regra para comer, modos para comer.
A sua casa sempre esteve em ordem. 
Na minha casa tudo sempre foi real, verdadeiro, intenso, profundo.
A sua casa sempre esteve fora de ordem.
Na minha casa sempre houve amor, tudo foi resolvido por amor, tudo foi construído com amor, ela se ergueu em um alicerce chamado amor. 
A sua casa sempre esteve fora de ordem.
A minha casa é lar.
A sua casa é casa. 

quarta-feira, 18 de março de 2015

MEIO VOCÊ: EU

Ávida espera
no peitoril da vida
Meta-loucura; meta-amor
Feérica imagem nos olhos da razão
que abafam os sentidos, os ouvidos,
a sanidade.
Piscam-se os olhos: você.
Piscam-se as luzes: você.
Piscam-se as horas: você.
Meia noite: você.
Meio dia: você.
Meio eu: você.
Tarda-se o dia e a demora fixa se instala no peito.
Diz-me: sou tua.
Minha. Sei.
Você não sabe o que seria...
Meio dia: minha.
Meia noite: minha.
E como poderia?



domingo, 8 de março de 2015

NÃO FOI AMOR

Não foi amor.
Foi um um suspiro exacerbado de euforia e pouco prestígio por si.
Foi uma loucura daquelas chamadas "sem precedentes".
Foi precedente para o que não se precisava viver.
Foi melancolia desde o primeiro dia.
Foi volúpia à primeira vista, ósculo pecaminoso, riso sem escrúpulos, insignificância de uma vida.
Foi brincadeira maldosa, jogo sem regra, partida sem juiz.
Foi um tapa na cara, na vida, no fim.
Foi um mar na cama, uma noite em ondas, um marinheiro, uma sereia.
Foi mais que uma chama, foi incêndio na alma, foi a vida inflamada.
Foi ida sem volta.
Foi mais que amor.

quinta-feira, 8 de janeiro de 2015

A HISTÓRIA DE UM SUJEITO (IV)

Certa vez, em meio a um grande "nada" que se fazia bem presente naquele dia, o sujeito se sacudiu para tirar o pés primeiro da posição sepulcral que eles permaneciam na cama (há dias) e depois de dentro de casa. Era um daqueles dias em que o sol está belíssimo e sugere várias lentes de câmeras fotográficas voltadas para si e que as nuvens se dispõem graciosamente brancas como se pintassem um quadro de Van Gogh sem ao menos terem aquela intenção. Impossível seria caminhar sob aquele meio-sol lindo e não sentir sequer a vontade de praguejar cada raio que golpeava todo o seu corpo. Ele foi. Não exatamente com a certeza de ter algo a se fazer (ele precisava de rotina e obrigações e quando elas faltavam...), mas com ideia fixa de que em pouco tempo estaria de volta pois não aguentaria muito tempo na condição de "homem livre".
O sujeito tinha um relógio preto de pulso que ele adorava, não por ser bonito mas por marcar claramente as horas, sem frescuras de números que se transformam em riscos e riscos que se transformam em absolutamente nada. O relógio marcava quatro e trinta e sete da tarde quando ele resolveu encarar a rua. Esse, por um descuido ou outro, foi esquecido em cima de qualquer coisa dentro de casa (ele provavelmente teria sérios problemas para o encontrar quando retornasse). Pela cara do sol de verão deviam ser por volta de sete horas da noite quando o sujeito resolveu parar em um ponto de ônibus, não por nada, mas para olhar. Olhava. E olhou por muito tempo, foi quando chegou uma moça. Bonita até. Percebia-se claramente que ficara horas se arrumando em frente ao espelho. O cabelo estava propositalmente selvagem, ou seja lá como aquilo poderia ser chamado. Unhas feitas. Trajes despojadamente impecáveis e os sapatos pareciam velhos porém bem cuidados. Ela trazia consigo certa empolgação no olhar, ou era como ela se movia, sempre discretamente empolgada. Mascava chicletes e ouvia algo como MPB ou algo suave do momento. Ele a observava em todos os seus detalhes, mas em nenhum momento foi percebido. Havia algo naquele olhar, no jeito que respirava e esperava ansiosa e tímida pelo ônibus que tomaria. "Ela vai se encontrar com alguém!" Concluiu. De fato ela se encontraria. Parecia ter se vestido para impressionar qualquer grupo fechado de pessoas. Mas não! Não eram as pessoas que a preocupavam, era alguém em especial. Um rapaz, na certa. Em certa altura das horas o sujeito se encontrava satisfatoriamente contente pelo ônibus da moça não ter passado e certamente, em meio a toda sua observação, ele tenha desejado ser aquele rapaz que criara para o encontro que também criara. Depois de imaginar como seria ser aquele rapaz que possivelmente estava esperando a moça em algum ponto da cidade e de imaginar como esse mesmo rapaz também estaria ansioso para vê-la o sujeito percebeu que ele era aquela moça. Tivera aquela empolgação nos trejeitos e não fazia muito tempo. O ônibus chegou, parou, fez aquele barulho clássico de uma parada de ônibus e a moça entrou. Ele podia jurar que antes das portas se fecharem ela olhou em sua direção. Ele não estava interessado na moça mas em como ela se sentia. "O que leva alguém a se mostrar assim sem ao menos dizer uma palavra?" - pensava enquanto o ônibus sumia nos limites da avenida.
A volta para casa em lenta caminhada foi bastante reflexiva. Um dia e uma mesa de bar o tiveram causado um efeito tão devastador que tudo agora remetia àquele dia. Antes que pudesse por seus pés de volta ao seu lugar natural de descanso recebeu uma ligação. O sentido perdido de um dia acabara de ter sido encontrado em um
"- Oi!
- Tudo bem?
- Tudo bem. Tudo bem?
- Tudo bem.
- E aí!?
- Tudo bem!"

sexta-feira, 2 de janeiro de 2015

MORRA

Morra o medo
de um lânguido amor
num súbito golpe de pernas alquebradas
que te abraçam na fadiga de te quererem
mais e depois,
até o fim de um apressurado instante
que num sonho de criança vira eterno
e sempre dura.
Morra a fome
do seu maná açucarado (como se diz)
e o desejo dessa pele
que me tem amordaçada no fundo
do quarto escuro e gélido
do tanto que se faz frio.
Morra sua tez
que não é das minhas mas é tão minha.
Que no sol reflete aquilo que tanto adoro
quando toca na minha. Minha.
Morra essa ledice
que o seu lado me dá, me tira,
que eu chamo de prazer,
imensurável
como eu nunca quis,
como eu nunca soube,
como eu tanto quero
Morra homem,
por teu gênero que não gosto de me declarar,
em teus braços, mãos,
pelo, peito e pau.
Morra você
de carne, osso e meu querer.
De quimeras e cantos do meu feitio,
feitio o meu,
o teu que faz o meu tão seu.
Morra paixão
e leve na morte as palavras
extraídas do puro do significado
de mim, por mim.
Eu me achaco nelas.
Morra paixão, em vão.