domingo, 21 de dezembro de 2014

A HISTÓRIA DE UM SUJEITO (III)

"Não existe uma ciência exata quando se trata de adaptação a situações adversas." Pensava o sujeito madrugada a dentro, ele mesmo a dentro. Quando chegou a tal conclusão, a qual de certa forma aliviou sua agonia, lembrou que não compreendia absolutamente nada sobre exatidão, nem ciências, muito menos sobre a junção de ambas. Foi quando entrou em um grande conflito particular (e ao que tudo indicava aquele era um grande dia, e em grandes dias não existiam conflitos): para que tudo isso? Então começou a trabalhar com finalidades e como tempo era o que não faltava naquele Dezembro (que para ele sempre era qualquer Dezembro mas precisava se forçar a sentir a culpa por não comemorar nenhuma festividade de final de ano) ele se sentiu absurdamente confortável em por um fim na sua angustia.
"Posso, dentro de todas as certezas que tenho em minha existência (não tão longa - pensou), não ser a pessoa mais charmosa ou cheia de imperiquitâncias que conheço e talvez eu esteja no grupo de plantas que vive da fotossíntese da vida cotidiana, sempre à espera da luz daquilo que no fundo eu não preciso. Também é pleno o meu conhecimento sobre o alguém que sou: não muito mas também não pouco interessante. Me encaixo bem naqueles meios em que ninguém sabe de coisíssima alguma mas falam sobre tudo e todos acreditam na veracidade daquele mentira que todos sabem ser mentira. Quando pretendo me avaliar nunca coloco em questão as minhas qualidades físicas, pois sou exatamente o tipo de pessoa que finge não dar a mínima a esses meros detalhes mas quando me olho no espelho me lembro que "meros detalhes" é expressão para aquilo que mais abomino em mim. Sofro de uma vergonha gigante, a qual compartilho com todos que convivem comigo e que merecem, precisam, necessitam mas não a  possuem para os limitar em ações que eu, particularmente, não praticaria. Peco como um bom religioso: nunca vou à igreja, digo a todos que Jesus é um conto de fadas e quando aparece qualquer cem reais a mais na minha conta me pego dizendo "como meu Deus é bom!". Isso é uma grande entrada para me apresentar como hipócrita (quando quero), dramático, melodramático, tragicômico e por conta dessas palavras eu poderia atuar em alguma peça de teatro barata, de péssimo cenário e como péssimas histórias sobre holerites de atores no centro da cidade. Encaro a vida com um certo olhar profundo de quem fuma um cigarro para se incluir socialmente, mas nunca fumei. Sou patético pois nunca fumei justamente por achar essa uma atitude desmotivada de quem gostaria de ser notado e fazia dessa contradição uma atitude para ser notado. Não tenho vocação para pai nem para mãe. Inconsequente. Mimado. Dirijo mal. Gosto de animais. Leio autores banalizados. Tenho um problema-metáfora de coração que está mais para anomalia cerebral chamado paixão (ou algo assim)."
Dada uma breve descrição sobre si, e, tendo em vista sua última adjetivação as finalidades começaram a ser trabalhadas. Ele não precisava se avaliar diante de um espelho mental, nem devia satisfações a um ego frustrado por conta de uma semana sem muitos agitos. Foi caindo naquele abismo desnecessário que era a busca por causas para o seu problema. Qualquer sujeito poderia se esquivar do tiro que levara ali, bem no meio do coração doente, então, por que não pôde ele fazer parte do todo de "sujeitos quaisquer" que sempre fizera? Estava ali, baleado, mas sorria. Ele poderia ser qualquer pessoa, daquelas que poucos notam nas multidões, mas conhecia a vergonha de ser descoberto ou farejado pelo jeito da pólvora vinda daquele cano. De peito perfurado ele sabia que aquilo tinha sim uma finalidade, e verdade seja dita, a finalidade e o problema eram um: se adequar a quem se ama a fim de ser amado adequadamente.

quinta-feira, 20 de novembro de 2014

A HISTÓRIA DE UM SUJEITO (II)

- Você se lembra do que eu lhe disse? - Foi como acordou de um sono que não lembrara ter dormido. Estranhava, por aquele tempo que sua memória levava para o situar na realidade, os lençóis da cama. - Vamos! Já está tão tarde... - E nada o fazia lembrar do que acontecera naquele tempo dito ser "tão tarde". Ele aprendera em determinado momento da vida que devia concordar com tudo que não entendesse à primeira instância. Sabia que era algo errado a se fazer, mas fazia e até então nada que o convencesse do contrário havia acontecido. E sim,  talvez isso que ele carregava como péssima mania tivesse sido aprendido em alguma daquelas viagens diárias, sempre as seis e meia da noite, em ponto (quando não ignorava a realidade do relógio) que ele, obrigatoriamente, enfrentava. O fato é que as pessoas, qualquer uma delas que seja, sempre têm esquisitices que se você não tomar cuidado acaba adquirindo sem perceber, e quando chegar o momento para trucidar qualquer uma delas em uma mesa de bar ou em um canto vazio da sua cabeça, você, automaticamente perceberá que aquilo faz parte de você. Você é aquilo. Você, você, você... E você acaba aceitando e achando tediosamente normal ser esquisito.
- Precisamos ir! - Nada o fazia levantar daquela cama, pois, por mais que fosse qualquer cama aquele não era um sono qualquer tendo em vista o fato de nem ter percebido que dormia e o sono ainda o incomodar sutilmente. 
Outra coisa que o incomodava, dessa vez sem sutilezas, eram os pedidos encarecidos para partir que se repetiam, sabe-se lá por quantas vezes consecutivas, ao seu lado na cama. Foi então que o sujeito, debilitadamente sonolento, conseguiu se virar e encarar quem insistira em ir embora usando como álibi as horas tardias da noite, talvez manhã (graças às cortinas ou janelas totalmente lacradas que provavelmente foram inventadas por quem e para quem não precisasse distinguir momentos do dia pela posição do sol) . Nesse exato instante que parecera levar uma vida para se concretizar, mas que qualquer pessoa julgaria ser qualquer "virada de lado na cama", aquele que estava irritadíssimo por não compreender muito bem o porquê de tantas perguntas desesperadas [e por também ter lembrado, depois da amnésia pós sono, que se tratava de algum feriado naquele dia, e (coloque um grande E aí) que em dias de feriados acordar após as 12 horas era uma obrigação religiosa]sentiu uma ternura que mal cabia dentro de seu corpo. Seus olhos, apertados de cansaço, se encheram de alegria e acabaram ficando mais apertados ainda (porque os olhos se apertam quando estão felizes). O sujeito se lembrou da primeira vez que viu aquele rosto de perto, se lembrou também que, por mais que fosse um rosto qualquer, "qualquer" jamais seria a palavra para o definir (mas ele ainda amava a palavra "qualquer"). A voz que antes o atordoava agora se tornara a mais doce e aveludada voz que ele se recordava ter ouvido. O sujeito apenas sussurrou - Eu me lembro do que você disse... - e mais se viam os seus dentes do que se ouviam as suas palavras tamanha a felicidade de estar ali. 
- Diz outra vez! - Foi o que ele conseguiu falar na sequência e foi o que sua companhia fez, chegou tão próximo quanto se pode chegar e sussurrou em seu ouvido aquelas palavras que pareciam ter um imenso valor naquele momento; o sujeito não podia conter o riso suspirado. Também não conseguia esconder o tamanho da confusão que se formava dentro dele. Esperara o dia em que acordaria daquela forma desde que ele pudesse se lembrar de querer acordar cedo em um feriado e se punia por ter demorado tanto para entender o que estava acontecendo ali. Podia ter dito e feito uma infinidade de coisas no tempo de desperdiçou tentando acordar, mas não! Estava ocupado demais acordando e então aquele momento passou e a dor, muitas horas depois concebida, foi batizada de: será que isso acontecerá uma outra vez?


segunda-feira, 14 de julho de 2014

O ÓSCULO

Foste amargo, lastimoso, ávido instante de plenitude. 
Miséria, e um pulso perdido em batidas, perdendo-se nas horas, inquieto, envolvia todo o instante que a cada instante se perdia.
Grandiosa volúpia que ardia a pele em pensamento e me matava a vida de magnificência.
Eu sentira a dor da cruz ao acordar e conceber aquela partida. Carreguei-a por toda Jerusalém de um dia e tal era o meu contentamento de por fim chegar ao calvário que não precisei de sequer um sopro de condolência.
Eu esperei. E esperei ainda frente ao teu corpo e tantos outros. Tivera concebido em sabe-se lá qual altura da vida que existia imensidão na madrugada e a sós. 
Existíamos nós. 
Aguardara a vida toda por aquele momento, mesmo tendo aguardado outrora por aquela mesma hora. Meu anfêmero, o que fizeste? Quântico tempo que existe e apenas existe e passa no fim da noite! Ei-lo sentado sempre aqui. Vejo tuas mãos a cavar os dias e nos enterrar neles. Vejo tua cara rindo do meu júbilo, e de fato, adoro, rimos juntos do que tu não podes mais matar. Apenas morro eu pela falta que me faz tu não parar e sei bem que morres tu por saberes que encontrei o espaço onde tua desgraça não está.

sábado, 26 de abril de 2014

A HISTÓRIA DE UM SUJEITO

Quinta-feira, qualquer mês de clima inconstante e tedioso e qualquer ablução pendente. Qualquer esquina pouco frequentada por qualquer um que seja e não haveria melhor definição para um momento qualquer. Chovia e os vidros embaçados povoavam São Paulo de maneira indevida e constante para um dia molhado. Testas recostadas nas vitrines dos loucos e uma dúvida estava pousada sobre um passageiro qualquer num ônibus qualquer que ia rumo ao centro da cidade: Vou ou não? De fato há milhares de lugares para ir, mas, Quinta-feira? Não!
A questão o enfurecia e confundia a cada parada do veículo, não sabia se estava adequadamente vestido para nenhuma das ocasionais estadas daquela noite e então resolveu saltar próximo à primera parada da sua confusão mental e talvez trigésima do ônibus. Por vários instantes (o que dificilmente poderá ser definido em unidades, dezenas ou dúzias de minutos) olhou o seu redor e pessoas extremamente comuns, casualmente vestidas e tediosas o escoltavam parado e isso o fez tomar a decisão mais divertida, ou menos aborrecedora.
Não importa para onde tenha ido e sim que esteve lá. Pediu uma cerveja (até em igrejas temos essa opção, certo?), e permaneceu como sempre permanecia: indiferente. Estava parcialmente molhado pois não há possibilidade de se caminhar com um guarda-chuva pela cidade e são diversos os agravantes dessa situação. Seu estado úmido começou a incomodá-lo mas ele não se sentia estranho, e estranheza era uma característica corriqueira e permanente do sujeito. Resolveu tomar outra cerveja mas antes precisava esvaziar algo que ele carinhosamente chamava de reservatório (em tempos que reservatórios deveriam ser constantemente preenchidos, em todos os sentidos). Voltou, e junto ao seu pedido amargo, sentou à mesa. Não estava mais desacompanhado, estranhou. Sua companhia era de papo fácil e horas se passaram, horas foram perdidas. Esvaeceram-se todas as ideias e supostos compromissos para aquela noite, tudo isso decorrente de uma charmosa companhia (a qual merece ser adjetivada pois de que importam os nomes se não tiverem qualidades?) A noite acabou e com ela a atípica impressão de não estar mais sozinho.
Pegou muitos outros ônibus depois disso. Não apenas em dias chuvosos. Entrou em diversos outros conflitos pessoais depois disso, quase em todos os dias que precisou de um ônibus para seguir viagem, e esses dias foram de resultado igual a todos os dias, o que gera uma prazerosa diversidade de conflitos a serem resolvidos (ou esquecidos). Todavia, aquele charme qualquer daquele dia qualquer transformou um pronome indefinido em algo erroneamente significativo.