quinta-feira, 20 de novembro de 2014

A HISTÓRIA DE UM SUJEITO (II)

- Você se lembra do que eu lhe disse? - Foi como acordou de um sono que não lembrara ter dormido. Estranhava, por aquele tempo que sua memória levava para o situar na realidade, os lençóis da cama. - Vamos! Já está tão tarde... - E nada o fazia lembrar do que acontecera naquele tempo dito ser "tão tarde". Ele aprendera em determinado momento da vida que devia concordar com tudo que não entendesse à primeira instância. Sabia que era algo errado a se fazer, mas fazia e até então nada que o convencesse do contrário havia acontecido. E sim,  talvez isso que ele carregava como péssima mania tivesse sido aprendido em alguma daquelas viagens diárias, sempre as seis e meia da noite, em ponto (quando não ignorava a realidade do relógio) que ele, obrigatoriamente, enfrentava. O fato é que as pessoas, qualquer uma delas que seja, sempre têm esquisitices que se você não tomar cuidado acaba adquirindo sem perceber, e quando chegar o momento para trucidar qualquer uma delas em uma mesa de bar ou em um canto vazio da sua cabeça, você, automaticamente perceberá que aquilo faz parte de você. Você é aquilo. Você, você, você... E você acaba aceitando e achando tediosamente normal ser esquisito.
- Precisamos ir! - Nada o fazia levantar daquela cama, pois, por mais que fosse qualquer cama aquele não era um sono qualquer tendo em vista o fato de nem ter percebido que dormia e o sono ainda o incomodar sutilmente. 
Outra coisa que o incomodava, dessa vez sem sutilezas, eram os pedidos encarecidos para partir que se repetiam, sabe-se lá por quantas vezes consecutivas, ao seu lado na cama. Foi então que o sujeito, debilitadamente sonolento, conseguiu se virar e encarar quem insistira em ir embora usando como álibi as horas tardias da noite, talvez manhã (graças às cortinas ou janelas totalmente lacradas que provavelmente foram inventadas por quem e para quem não precisasse distinguir momentos do dia pela posição do sol) . Nesse exato instante que parecera levar uma vida para se concretizar, mas que qualquer pessoa julgaria ser qualquer "virada de lado na cama", aquele que estava irritadíssimo por não compreender muito bem o porquê de tantas perguntas desesperadas [e por também ter lembrado, depois da amnésia pós sono, que se tratava de algum feriado naquele dia, e (coloque um grande E aí) que em dias de feriados acordar após as 12 horas era uma obrigação religiosa]sentiu uma ternura que mal cabia dentro de seu corpo. Seus olhos, apertados de cansaço, se encheram de alegria e acabaram ficando mais apertados ainda (porque os olhos se apertam quando estão felizes). O sujeito se lembrou da primeira vez que viu aquele rosto de perto, se lembrou também que, por mais que fosse um rosto qualquer, "qualquer" jamais seria a palavra para o definir (mas ele ainda amava a palavra "qualquer"). A voz que antes o atordoava agora se tornara a mais doce e aveludada voz que ele se recordava ter ouvido. O sujeito apenas sussurrou - Eu me lembro do que você disse... - e mais se viam os seus dentes do que se ouviam as suas palavras tamanha a felicidade de estar ali. 
- Diz outra vez! - Foi o que ele conseguiu falar na sequência e foi o que sua companhia fez, chegou tão próximo quanto se pode chegar e sussurrou em seu ouvido aquelas palavras que pareciam ter um imenso valor naquele momento; o sujeito não podia conter o riso suspirado. Também não conseguia esconder o tamanho da confusão que se formava dentro dele. Esperara o dia em que acordaria daquela forma desde que ele pudesse se lembrar de querer acordar cedo em um feriado e se punia por ter demorado tanto para entender o que estava acontecendo ali. Podia ter dito e feito uma infinidade de coisas no tempo de desperdiçou tentando acordar, mas não! Estava ocupado demais acordando e então aquele momento passou e a dor, muitas horas depois concebida, foi batizada de: será que isso acontecerá uma outra vez?