quinta-feira, 8 de janeiro de 2015

A HISTÓRIA DE UM SUJEITO (IV)

Certa vez, em meio a um grande "nada" que se fazia bem presente naquele dia, o sujeito se sacudiu para tirar o pés primeiro da posição sepulcral que eles permaneciam na cama (há dias) e depois de dentro de casa. Era um daqueles dias em que o sol está belíssimo e sugere várias lentes de câmeras fotográficas voltadas para si e que as nuvens se dispõem graciosamente brancas como se pintassem um quadro de Van Gogh sem ao menos terem aquela intenção. Impossível seria caminhar sob aquele meio-sol lindo e não sentir sequer a vontade de praguejar cada raio que golpeava todo o seu corpo. Ele foi. Não exatamente com a certeza de ter algo a se fazer (ele precisava de rotina e obrigações e quando elas faltavam...), mas com ideia fixa de que em pouco tempo estaria de volta pois não aguentaria muito tempo na condição de "homem livre".
O sujeito tinha um relógio preto de pulso que ele adorava, não por ser bonito mas por marcar claramente as horas, sem frescuras de números que se transformam em riscos e riscos que se transformam em absolutamente nada. O relógio marcava quatro e trinta e sete da tarde quando ele resolveu encarar a rua. Esse, por um descuido ou outro, foi esquecido em cima de qualquer coisa dentro de casa (ele provavelmente teria sérios problemas para o encontrar quando retornasse). Pela cara do sol de verão deviam ser por volta de sete horas da noite quando o sujeito resolveu parar em um ponto de ônibus, não por nada, mas para olhar. Olhava. E olhou por muito tempo, foi quando chegou uma moça. Bonita até. Percebia-se claramente que ficara horas se arrumando em frente ao espelho. O cabelo estava propositalmente selvagem, ou seja lá como aquilo poderia ser chamado. Unhas feitas. Trajes despojadamente impecáveis e os sapatos pareciam velhos porém bem cuidados. Ela trazia consigo certa empolgação no olhar, ou era como ela se movia, sempre discretamente empolgada. Mascava chicletes e ouvia algo como MPB ou algo suave do momento. Ele a observava em todos os seus detalhes, mas em nenhum momento foi percebido. Havia algo naquele olhar, no jeito que respirava e esperava ansiosa e tímida pelo ônibus que tomaria. "Ela vai se encontrar com alguém!" Concluiu. De fato ela se encontraria. Parecia ter se vestido para impressionar qualquer grupo fechado de pessoas. Mas não! Não eram as pessoas que a preocupavam, era alguém em especial. Um rapaz, na certa. Em certa altura das horas o sujeito se encontrava satisfatoriamente contente pelo ônibus da moça não ter passado e certamente, em meio a toda sua observação, ele tenha desejado ser aquele rapaz que criara para o encontro que também criara. Depois de imaginar como seria ser aquele rapaz que possivelmente estava esperando a moça em algum ponto da cidade e de imaginar como esse mesmo rapaz também estaria ansioso para vê-la o sujeito percebeu que ele era aquela moça. Tivera aquela empolgação nos trejeitos e não fazia muito tempo. O ônibus chegou, parou, fez aquele barulho clássico de uma parada de ônibus e a moça entrou. Ele podia jurar que antes das portas se fecharem ela olhou em sua direção. Ele não estava interessado na moça mas em como ela se sentia. "O que leva alguém a se mostrar assim sem ao menos dizer uma palavra?" - pensava enquanto o ônibus sumia nos limites da avenida.
A volta para casa em lenta caminhada foi bastante reflexiva. Um dia e uma mesa de bar o tiveram causado um efeito tão devastador que tudo agora remetia àquele dia. Antes que pudesse por seus pés de volta ao seu lugar natural de descanso recebeu uma ligação. O sentido perdido de um dia acabara de ter sido encontrado em um
"- Oi!
- Tudo bem?
- Tudo bem. Tudo bem?
- Tudo bem.
- E aí!?
- Tudo bem!"

sexta-feira, 2 de janeiro de 2015

MORRA

Morra o medo
de um lânguido amor
num súbito golpe de pernas alquebradas
que te abraçam na fadiga de te quererem
mais e depois,
até o fim de um apressurado instante
que num sonho de criança vira eterno
e sempre dura.
Morra a fome
do seu maná açucarado (como se diz)
e o desejo dessa pele
que me tem amordaçada no fundo
do quarto escuro e gélido
do tanto que se faz frio.
Morra sua tez
que não é das minhas mas é tão minha.
Que no sol reflete aquilo que tanto adoro
quando toca na minha. Minha.
Morra essa ledice
que o seu lado me dá, me tira,
que eu chamo de prazer,
imensurável
como eu nunca quis,
como eu nunca soube,
como eu tanto quero
Morra homem,
por teu gênero que não gosto de me declarar,
em teus braços, mãos,
pelo, peito e pau.
Morra você
de carne, osso e meu querer.
De quimeras e cantos do meu feitio,
feitio o meu,
o teu que faz o meu tão seu.
Morra paixão
e leve na morte as palavras
extraídas do puro do significado
de mim, por mim.
Eu me achaco nelas.
Morra paixão, em vão.