sexta-feira, 29 de novembro de 2013

INQUILINO PERMANENTE

“Afterhours” by Harry McNally 
Toda casa tem seu rato. Toda casa pelo menos um dia já teve um rato. Não digo os apartamentos. Está certo que devemos sempre desconfiar das tubulações e sistemas de encanamento, mas se tratando de uma certeza, toda casa tem seu rato.
O barulho das patas correndo rapidamente ou andando sorrateiras pode confundir qualquer um no início. Eu me confundi. Por vezes cheguei a acreditar que eram baratas. Baratas fazem barulho também. Baratas são velhas conhecidas inquilinas, não nos incomodam do jeito que podemos dizer que sim. Mas um rato incomoda, muito. Um dia nos conhecemos, digo, muitos meses depois nos conhecemos. Tentei enfrentá-lo, capturá-lo, não deu. Ele voltava todas as noites, passeava pelo meu telhado, rondava minha cama, não estragava nada e antes que eu pudesse ficar frente a frente com ele outra vez o maldito já estava longe.
Acostumei-me com aquela presença. Em algumas noites de tempo quente ele não aparecia e, confesso, chegava a sentir a falta dele. A sensação de pânico ao levantar para ir ao banheiro me fazia sentir tanta adrenalina que acabei gostando da situação. Não havia uma pessoa que ficasse tranquila ao saber daquela criatura, o desejo de extermínio, em determinado momento, tomou conta de todos em minha casa e eu estava prestes a pedir para que não matassem o rato e então ele apareceu...
Era bom vê-lo, sua cara expressava toda a natureza de um ser asqueroso, nojento, malandro e sem caráter. Encantei-me e de repente... o rato era meu. Não convivíamos, apenas o deixei ficar. Sua estadia me agradava, poucas vezes o via e penso que ele pouco fazia questão de se mostrar frequentemente. Sabia o momento certo de aparecer, causava confusão, via tudo para os ares e depois sumia. Minha família odiava o rato, eu não. Queria domesticá-lo, qual era o problema? E outra, ele sabia que eu já o pertencia então por que não tê-lo para mim também? Mas essa era uma ideia maluca, talvez eu estivesse ficando maluca mesmo.
Ganhei um hamster, não quis. Ofereceram-me um rato de laboratório, uma graça! Não quis. Outros tipos de roedores apareceram também. Não quis nenhum.
Comecei a alimentar meu animal. Eu não o via, mas sabia vinha comer o que eu punha para ele. Criamos assim uma relação de dependência: eu dependia daquela emoção de conviver com um bicho avulso a toda a normalidade de animais de estimação e ele dependia de mim para alimentá-lo e admirá-lo quando ninguém o faria.
Não sei o que eu fiz... Um dia ele partiu. Passaram-se dias, meses, anos e eu nunca mais o senti ali. Não comia mais, não fazia barulho, não aparecia esporadicamente... Apenas partiu. Fiquei arrasada, mas logo passou porque cai em mim sobre a estranheza daquela situação. O rato não me fazia mais falta.
Uma noite dessas penso eu ter ouvido alguma coisa correndo pelo meu quarto. Fiz o teste da comida, a comida sumiu. Depois mais alguns dias passaram e nada aconteceu. Outra vez ouvi as patas patinarem no assoalho do meu quarto... Estranhei. Nada mais fiz, deixei como estava e isso parece que começou a tomar a proporção que tinha antigamente. Continuo agindo naturalmente, mas sei que ele voltou.